quinta-feira, novembro 25, 2010

HOSPITAL MIGUEL BOMBARDA

Hoje, manhã cedo, encontrei o Rui Pedro. Não o reconheci mas ele perguntou-me como estava e recordou-me que andámos na primária, na mesma escola. Já passaram mais de 50 anos. Depois de algumas recordações - para mim completamente esquecidas - perguntei pela Leonor, a sua mulher. Disse-me, com ar triste, que tinha uma doença " chata " ( não pedi pormenores ) e que além disso, tinha vários momentos associados a uma depressão. Inclusivé, estivera, já há muitos anos, internada no Hospital Miguel Bombarda, por duas vezes. À segunda, iludindo a vigilância, fugira de lá.
Hoje era o dia dos anos dela, mas preferira ficar na cama e não falar com ninguém. Por alguma razão, nunca gostara do dia do seu aniversário. Despedi-me do Rui Pedro e dificilmente nos voltaremos a encontrar, já que tem a vida centrada no Norte de Portugal.


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Hoje, 25 de Novembro, fui a uma consulta, não ao Miguel Bombarda mas a uma extensão deste hospital.
Leio sempre, quando espero por consultas. Ao abrir o livro, que não tinha marcador, deparei com o texto que transcrevo a seguir. E fiquei demasiado confuso e transtornado.
E desejo, de todo o coração, que nem a Leonor nem outros como ela, tenham que voltar alguma vez àquele " hospital ".
Boa sorte para ambos, Rui Pedro e Leonor.



HOSPITAL MIGUEL BOMBARDA

São quase onze horas da noite. A fixidez das lâmpadas lá fora, tão quietas quanto as árvores. Normalmente palpitam, sobem, descem, parecem mover-se. Alguns raros automóveis na auto-estrada ou lá o que é aquilo. E eu sentado a escrever. Não sei o quê. Escrevo. A caneta há-de encontrar o seu caminho.
Hoje almocei no hospital em que trabalhava e onde conheço cada vez menos pessoas. Sempre achei, desde o primeiro dia, era eu um internozito chegado de África, que em lugar de hospital me haviam colocado num chiqueiro de merda. Mas quem se rala ? São doentes e são pobres. Lá andam eles a penar, entupidos de medicamentos até à goela, de expressões vazias. Calmos, claro, mas no sentido em que os legumes são calmos. Tive um director para quem a calma era essencial:
punha na papeleta
    calmo, ordenado
    o que, para ele, era sinónimo de estar bem. O director, em contrapartida, que não era calmo nem ordenado, não tomava medicamento nenhum. Andava atrás das enfermeiras como um cachorro aos sobejos, punha a mão adiante da boca para me cochichar
 - Tope-me aquela
    empurrava-as contra a marquesa, na sala de pensos. Uma ocasião perguntei-lhe
    - Calmo e ordenado não será o contrário de estar vivo ?
    e ele, a engrossar à secretária
    - Olhe que eu instauro-lhe um processo disciplinar
    e instaurou. Que extraordinário verbo, instaurar. Instauro-lhe um processo disciplinar. Nomearam um inquiridor que me chamou ao gabinete da Administração. O inquiridor era o clínico geral do chiqueiro. Um único clínico geral para centenas de doentes. Chegava ao meio-dia. Saía às onze.  Durante os anos de internato instauraram-me
    ( santo verbo)
    três processos disciplinares por insubordinação. Não: dois por insubordinação, um terceiro por me apresentar ao serviço
    ( outra bela expressão, apresentar-me ao serviço )
    vestido com o uniforme dos doentes. Porque os doentes eram obrigados a um uniforme, o que me revoltava. E rapavam-lhes a cabeça. E eram vistos quando o rei faz anos. Mas andavam calmos e ordenados. Quase todos. Lembro-me de um rapaz que se regou de petróleo e se chegou um fósforo. De vários que se suicidaram. Do psicanalista que dava electrochoques em série. Do grupalista
    (grupalista: passei oito anos nessa léria e ainda estou para saber o que é)
    que na Urgência aplicava doses de injectáveis que me aterravam.
Segredava com doçura
    - E agora apanha um lorenin e fica confuso mas calmo.
   e de facto a vítima babava-se, resmungando incoerências. Pelo menos não maçava ninguém. A propósito de uniforme lembrei-me agora que há uma fotografia do poeta Ângelo de Lima com ele e de cabecinha rapada. Compôs uma porção de versos no hospital, alguns excelentes. Desenhava.
O meu pai recordava-se de ver os seus desenhos e os seus escritos a ganharem bolor numa espécie de cave. Não interessavam um corno: asneiras de um maluquinho qualquer. No segundo ano do internato ganhei o prémio da Sociedade de Neurologia e Psiquiatria com um trabalho sobre ele: devo ter sido o único concorrente. Na cerimónia da entrega do prémio o director, subitamente amável
    - É uma pena você ser tão impulsivo
    eu que não era impulsivo nem meia. Em vinte e sete meses de guerra uma pessoa aprende, que mais não seja, a dominar-se. Quem não se dominava morria. Quem se dominava morria menos. Eu só morri um bocado.
Não há uma ponta de exagero no que disse aqui. Fiz um livro inteiro sobre isto, chamado Conhecimento do Inferno, e o resultado foi um dos meus chefes vir de pistola ao hospital para me ferrar um tiro. Não estava calmo nem ordenado e não o internaram. Quando se cruzava comigo começava a correr. Nunca vi a pistola, eu que me lembrava bem desses instrumentos. Fartei-me de os montar e desmontar. De os olear. De lhes carregar nos gatilhos.
Onze horas da noite. Se calhar meia-noite. A fixidez das lâmpadas lá fora, tão quietas quanto as árvores. Normalmente palpitam, sobem, descem, parecem mover-se. Tenho vergonha de ter trabalhado no hospital. De ter sido médico ali. De me ter calado tantas vezes. Precisava de ganhar a vidinha, não é ? Todos precisamos de ganhar a vidinha não é ? Uma rapariga estrangulou-se com a fita do cabelo, e o assistente para mim
   - Isto fica entre nós.
    Lâmpadas tão quietas quanto as árvores. Eu sentado a escrever. Não sei o quê. Escrevo. A caneta há-de encontar o seu caminho. Encontrou: no bico do aparo vejo um rapaz a regar-se de petróleo, a chegar-se um fósforo. Mas isso, é evidente, fica aqui entre nós.

António Lobo Antunes - Terceiro Livro de Crónicas - Dom Quixote

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sábado, novembro 13, 2010

S. Martinho

O S. Martinho já lá vai. Não ligo a certas datas e outras pouco ou nada significam.
Hoje, ao rever um livro de uma Amiga querida, reli o texto S. Martinho. Para ela e para o Simão, aqui ficam os meus parabéns.
(Afinal o S. Martinho foi só há dois dias...)



S. MARTINHO

" Sempre tive como sonho ter só um filho. De preferência homem. Quando fiz a ecografia que denunciou o sexo, dei pulos de contente.
Era mesmo um rapaz!
Não sei qual a razão desta pretensão, só sei que era de facto um grande desejo. Relativamente ao número de filhos, sei que era um porque queria proporcionar-lhe tudo o que estivesse ao meu alcance. Quer em disponibilidade efectiva, quer económica.
Sempre mexeu comigo quando alguém dizia:
-  Tudo se cria
-  Pão para a boca não lhe há-de faltar.
Para mim, trazer um filho ao mundo era muito mais do que isto.
Tinha que ser planeado e desejado.
Estive três anos a preparar a sua vinda.
Também não cheguei ao cúmulo de esperar o tempo suficiente para que, quando viesse, fosse acolhido como um pequeno príncipe.
Esperei, apenas, reunir condições mínimas para que a sua chegada não fosse um sobressalto mas uma grande festa.
Lembro-me muito bem do dia em que soube que dentro de mim estava a começar uma nova vida.
Fui à farmácia comprar um daqueles testes que mudam de cor quando é positivo.
Não era instantâneo, demorava algumas horas.
Coloquei o frasquinho em cima da mesa-de-cabeceira e adormeci.
Ao acordar, agarrei a mão de quem iria partilhar comigo a sensação de ter contribído para garantir a nossa continuidade. Olhei e o frasquinho tinha mesmo mudado de cor.
Chorei de alegria e simultaneamente de medo.
Tudo na minha vida tem sido vivido pela metade.
Há sempre uma parte de mim que festeja e outra que estremece. E desta vez, também tinha de ser assim.
Por um lado, estava muito feliz, porque cumpria mais um sonho. Por outro, sabia que teria de ter alguns cuidados acrescidos, porque havia a possibilidade de se transformar numa gravidez de risco devido à minha companheira de estimação. (Lembram-se?!) Poderia ter de passar algum tempo de cama.
Para além disso, havia a promessa de alguém que não me queria perder... e que se tivesse de escolher...
Não, nem queria pensar nisso...
Tinha aprendido com alguma dificuldade a viver um momento de cada vez...
Foi o que fiz.
A partir daquele momento, faria tudo o que estivesse ao meu alcance para que tudo corresse pelo melhor. Respeitei e cumpri os conselhos médicos.
Vivi a gravidez como um verdadeiro estado de graça. Enjoei durante os três primeiros meses.
Daí para a frente, foi esperar que o tempo passasse. Sempre que ia às consultas, estava tudo sempre dentro dos parâmetros normais.
Ultrapassados os primeiros seis meses, a barriga cresceu de tal forma que eu mais parecia um
" sempre-em-pé".
Não foi preciso ter cuidados acrescidos. Apenas os que são recomendados a qualquer grávida.
Houve até a hipótese de o parto ser normal.
Os médicos chegaram à conclusão que seria melhor manter a decisão inicial de cesariana, porque não havia espaço para o bebé descer devido ao seu tamanho.
Senti-me aliviada. Temia que o parto normal pudesse pôr em risco a vida do novo ser, que eu tinha trazido dentro de mim como um tesouro.
Os nove meses chegaram ao fim.
Estava tudo preparado para acolher o tão desejado e querido bebé, que até já tinha nome.
O dia de S. Martinho chegou com muita chuva. Às 9 h da manhã dei entrada no bloco operatório de um hospital à beira-mar. Deram-me a anestesia. Quando acordei, disseram-me que o meu bebé já tinha nascido e estava tudo bem.
Estava tão cansada e ainda sob o efeito da anestesia, que voltei a adormecer.
Quando acordei de novo, já estava no berço junto de mim!
Não queria acreditar...
Era, sem dúvida, o meu tão querido e desejado filho homem.
Os dias de S. Martinho tornaram-se inesquecíveis! "


Do livro " Aquece o teu coração " de Maria Manuela Bouça ( Editora verso da kapa )




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domingo, novembro 07, 2010

Strangers in the night

Hoje, pela manhã, ouvi muitas canções belissimas. Uma delas, na voz de Frank Sinatra fez-me lembrar uma "  história " antiga.

Um português, com familiares na América, parte para New York. No táxi para o aeroporto o motorista, cumprimenta-o, e diz-lhe: que honra Mr. Frank Sinatra.
Deve haver engano. O meu nome é José Silva.
Ao entrar para o avião, de novo um cumprimento. Desta vez um comissário: Benvindo, Mr Frank Sinatra.
Bolas, o meu nome é José Silva.
Na chegada, outra vez num taxi, conduzido por um compatriota, cumprimento igual. Para onde, Mr. Frank Sinatra ?
Sou José Silva. E venho ter com a família. Mania vossa de me confundirem com esse tipo.
Chateado da vida, entra no hotel onde o recepcionista o acolhe entusiasmado: Good morning, Mr Frank Sinatra
Fora de si, o nosso homem dirige-se para o elevador. Lá dentro, como ascensorista, uma loira deslumbrante, olhos verdes, brilhantes, mini saia curtissima.
Welcome, Mr. Frank Sinatra
José Silva, engasgado só conseguiu dizer : Strangers in the night.....

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quarta-feira, novembro 03, 2010

Arte Pública VII - Evaldo Borges

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segunda-feira, novembro 01, 2010

Arte Pública VII - Emmanuel Bernstone

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